Filme “Habemus Papam” questiona o fardo da liderança

Por Sérgio Rizzo | Para o Valor, de São Paulo






Divulgação / DivulgaçãoNanni Moretti (de barba) interpreta um psicanalista em “Habemus Papam”


Em “A Missa Acabou” (1985), seu quinto longa-metragem como diretor, o italiano Nanni Moretti interpretava um jovem padre que assumia paróquia em dificuldades, quase sem fieis, na periferia de Roma. A crise na Igreja Católica sobe de andar e se instala em pleno Vaticano no seu filme mais recente, “Habemus Papam” (2011), que entrará em cartaz amanhã no Brasil.


Desta vez, Moretti evita a batina e se diverte, como ator, com uma roupa que lhe cai melhor: a de psicanalista à moda italiana, celebrando o encontro entre algumas ideias de Freud e a forte escola de humor do cinema local. Seu personagem é chamado, na trama, para tentar resolver clinicamente um problema de fundo existencial: e se o homem escolhido para liderar os católicos de todo o mundo não se julgasse à altura do papel?


As primeiras imagens de “Habemus Papam” mostram o funeral de um Sumo Pontífice. Em seguida, tem início o conclave para escolher seu sucessor. Moretti sublinha, com ironia, o circo da mídia erguido para a cobertura do evento, que alimenta movimentação nas casas de apostas sobre os cardeais mais cotados entre seus pares. O consenso acaba se formando, no entanto, em torno de um azarão (interpretado por Michel Piccoli).


Seria o momento, de acordo com o ritual, de queimar os votos no forno da Capela Sistina e produzir a fumaça branca que indica o fim da votação. No filme, a celebração é adiada porque os burocratas do Vaticano, chefiados por um porta-voz com ares de gerente-geral (o polonês Jerzy Stuhr), precisam resolver sigilosamente a crise de vocação do novo papa.


Requisitado para uma ação emergencial, o psicanalista vivido por Moretti propõe organizar um campeonato intercontinental de vôlei entre os cardeais. A ideia, executada, talvez sugira que o cineasta satiriza a Igreja Católica com o mesmo rigor com que se voltou contra o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi no impiedoso “O Crocodilo” (2006), mas a ternura, neste caso, se impõe; é respeitosa, ainda que brincalhona, a abordagem heterodoxa do Vaticano pelo diretor de “Caro Diário” (1993) e “O Quarto do Filho” (2001).


Ao humanizar a figura do papa como alguém que não se sente à vontade com a missão a ele determinada, “Habemus Papam” lança perguntas específicas sobre a fé e o catolicismo no mundo contemporâneo. Por associação natural, permite também refletir sobre o fardo da liderança e sobre o mito dos super-homens, estejam eles no Vaticano, na Casa Branca ou no gabinete de CEO de grandes corporações.