MAURÍCIO MEIRELES
COLUNISTA DA FOLHA
Em 1898, uma enchente levou a ponte de São José do Rio Pardo (SP). O enviado para recolocá-la de pé foi o escritor e engenheiro Euclydes da Cunha -que anos antes testemunhara a Guerra de Canudos. Na cidadezinha, ele ergueu a ponte e sua obra-prima: “Os Sertões” (1902), em que narra a luta das forças republicanas contra os fiéis de Antônio Conselheiro.
O autor de um dos marcos da literatura nacional completaria 150 anos nesta quarta-feira (20). A comemoração não será numerosa. Três novos livros estão vindo por aí, e a cidade de São José do Rio Pardo vai celebrar a data.
A partir de hoje, a Casa Euclidiana, centro cultural localizada onde o autor escreveu “Os Sertões”, sedia eventos todo dia 20 em memória do escritor. O auge ocorre na semana de 9 a 15/8 -quando a cidade promove, há quase 70 anos, a Semana Euclidiana.
Em março, a Unesp começa a editar a prosa completa de Euclydes acrescida de inéditos -em vários volumes, organizados por Leopoldo Bernucci, pesquisador da Universidade da Califórnia em Davis, e Felipe Rissatto, euclidiano independente. “Além dos inéditos, o primeiro tomo trará ensaios conhecidos, mas em versões diferentes”, afirma Leopoldo Bernucci.
O pesquisador publica ainda neste ano seu livro “Um Paraíso Suspeitoso”. Nele, Bernucci traça a relação entre o escritor, o poeta colombiano José Eustasio Rivera e o brasileiro Alberto Rangel -que, como Euclydes, denunciaram a escravidão nos seringais da Amazônia.
Também é este o ano de revisitar a “tragédia da Piedade”, episódio no qual Euclydes flagrou sua mulher, S’Anninha, com o amante, Dilermando de Assis, e acabou morto por este. Anna Sharp, neta de S’Anninha, prepara, para o meio do ano, um romance contando a história do ponto de vista de cada um dos vértices do triângulo amoroso.
O livro é baseado em um diário da avó encontrado em 2014. “Receber o diário dela foi um sinal”, diz Anna Sharp.
Não foi um plano para os 150 anos, mas Luiz Costa Lima, um dos maiores críticos literários em atividade no país, começou a promover em sua casa no Rio um grupo de estudos sobre a obra euclidiana. Dono de opiniões contundentes sobre Euclydes, ele defende que é a hora de seus livros passarem por uma revisão crítica.
“Euclides é um escritor mitificado, só isso explica que haja tantos pontos de sua obra até hoje não analisados. Como é que teorias tão ultrapassadas usadas por ele [como determinismo social] ainda são consideradas atuais? Não sei explicar”, diz Costa Lima.
Folha de S. Paulo